Rodrigo Lopes Lourenço |
Fundador e ex-Presidente da Associação Nacional dos Procuradores e Advogados do Poder Legislativo – ANPAL
Procurador da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. rodrigo.l.lourenco@hotmail.com
Sumário: 1. Introdução. 2. História. 3. Legitimação. 4. Competência. 5. Efeitos.
Resumo: Sujeição das decisões jurisdicionais contra o Poder Público a duplo controle: os recursos usuais e a suspensão por presidência de órgão colegiado hierarquicamente superior. História. Legitimação: ampliação do conceito de pessoa jurídica de direito público. Competência: a suspensão da suspensão. Efeitos.
Palavras-Chave: Decisões judiciais. Poder Público. Suspensão. Competência.
SUSPENSION OF JUDICIAL DECISIONS AGAINST PUBLIC AUTHORITIES
Abstract: Judicial decisions against public authorities are subject to double con- trol: the usual appeals and the suspension by the chairmanship of a hierarchically superior collegiate body. History. Legitimation: expansion of the concept of le- gal entity under public law. Competence: suspension of the suspension. Effects.
Keywords: Judicial decisions. Public authorities. Suspension. Competence.
1. Introdução
Algumas vezes, as medidas judiciais proferidas contra o poder público geram tamanha lesão que os meios usuais de impugnação revelam-se insuficientes. Nesses casos, elas podem ser suspensas por decisão fundamentada do presidente do tribunal competente para julgar o respectivo recurso. Atualmente, conforme se viu no capítulo referente à história do instituto, os procedimentos são regulados: a) pelo art. 15 da Lei n° 12.016/2009, quanto à liminar e à sentença ou ao acórdão concessivo de mandado de segurança; b) pelo art. 1.059 do Código de Processo Civil, quanto às tutelas provisórias; c) pelo art. 4° da Lei n° 8.437/1992, quanto às demais liminares e cautelares inominadas, inclusive as ações populares e civis públicas.
Frequentemente, utiliza-se o vocábulo contracautela para denominar a suspensão de decisão contra o poder público. Como o que se visa suspender é, no mais das vezes, cautelares deferidas contra a fazenda pública, a palavra contracautela adquiriu positivo caráter de jargão, sendo amplamente usada.
Para os fins do instituto, as expressões “decisões contra a fazenda pública” (CPC, art. 1.059) e “decisões contra o poder público” (Lei n° 8.437/1992, art. 4°, caput) devem ser compreendidas como sinônimas. Durante a primeira fase do instituto, de 1951 até 1991, quando se regulavam apenas as suspensões de liminares e sentenças de mandados de segurança, os termos não eram empregados pela legislação. Entretanto, a partir da Lei n° 8.437/1992, que alargou o escopo da medida para quaisquer decisões proferidas contra o “poder público”, a expressão surgiu. Embora o Código de Pro- cesso Civil, em seu art. 1.059, mencione “fazenda pública”, não há distinção a ser feita porque mesmo este dispositivo expressamente remete àquele que utiliza a expressão “poder público”.
Pessoas jurídicas de direito público são a União, os 26 estados, o Distrito Federal, os mais de 5.550 municípios, além das autarquias e fundações de tal natureza. Com a evolução da jurisprudência, passou-se a reconhecer que os Poderes Legislativos e os Tribunais de Contas, por serem órgãos constitucionais de pessoas de direito público, também dispunham de tal legitimidade, desde que na defesa de suas prerrogativas insertas na Lei Maior.
Com exceção do art. 297 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, de dezembro de 1980, entre 1951 e a promulgação da Constituição de 1988, não se fez distinção entre pessoa jurídica de direito público e o Ministério Público em relação à legitimação ativa, porque, na maioria dos casos, cabia ao Parquet a defesa judicial da fazenda pública. A legislação posterior a 1988 sempre reconheceu a legitimação de ambos.
Em verdade, a amplitude da regra do art. 4° da Lei n° 8.437/1992 e a democrática consolidação da juridicidade de impetração de mandado de segurança nas Justiças Militar, Eleitoral e do Trabalho permitem imaginar que requerimentos de suspensão possam ser formulados perante qualquer um dos noventa e um tribunais brasileiros, desde que ele seja competente para julgar o recurso contra a decisão eventualmente impugnada.
O fundamento do requerimento de suspensão deve ser que a decisão impugnada cause grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia pública. Inicialmente, não se deve esquecer que esse requisito só surgiu em 1964, por meio da revogada Lei n° 4.348. Em segundo lugar, considerando que ordem pública é conceito jurídico extremamente indeterminado, o qual, aliás, inclui a saúde, a segurança e a economia públicas, há significativo espaço de discricionariedade judicial do presidente do tribunal competente para deferir a suspensão. Em outras palavras, o conteúdo de tal decisão é, na maioria dos casos, bem mais político do que jurídico, isto é, o presidente do tribunal, segundo seu prudente arbítrio, deverá avaliar de que forma ele melhor protegerá o bem comum: suspendendo a decisão ou indeferindo o pleito.
Em 1992, além do requisito de grave lesão suprarreferido, a Lei n° 8.437 passou a exigir a existência de manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade. A distinção não se consolidou na jurisprudência porque, havendo grave lesão, especialmente à ordem pública, sempre ocorrerá manifesto interesse público.
2. História
A suspensão de decisões contra o poder público foi entronizada no Brasil pelo art. 13 da Lei n° 1.533/1951, primeira lei que disciplinou o mandado de segurança no Brasil e já revogada pela Lei n° 12.016/2009. Ele outorgava competência aos presidentes de certos tribunais para suspenderem a execução de sentença que concedesse segurança.
A Lei n° 4.348/1964, também revogada pela Lei n° 12.016/2009, por meio de seu art. 4°, fez algumas alterações no instituto: a) legitimou qualquer pessoa jurídica de direito público para o pedido de suspensão, sem mencionar o Ministério Público porque, naquela época, a este cabia, com raras exceções, a defesa da fazenda pública; b) estendeu a competência da suspensão ao presidente do tribunal ao qual coubesse o conhecimento do recurso, ampliando o rol de autoridades com tal atribuição; c) permitiu que se suspendessem a sentença e, principalmente, a liminar concedida em mandado de segurança; d) deu à suspensão o objetivo de evitar-se grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
A Lei n° 4.717/1965, que regula a ação popular, não dispôs sobre o instituto.
O art. 3° da Lei n° 6.014/1973, também revogado pela Lei n° 12.016/2009, realizou ínfima alteração no art. 13 da Lei n° 1.533/1951, destina- da apenas a adaptá-lo ao Código de Processo Civil de 1973.
A Emenda à Constituição de 1967 n° 7/1977, editada com funda- mento no ato institucional n° 5/1968 e cognominada Reforma do Judiciário, outorgou ao Supremo Tribunal Federal competência para legislar – repita-se: legislar – sobre seus feitos originários e recursais por meio de seu regimento interno, o qual foi publicado no final de 1980. Em seu art. 297, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal outorgou ao respectivo presidente a competência para suspender liminar ou decisão concessiva de segurança, atribuindo-se legitimidade ao procurador-geral da República ou a pessoa jurídica de direito público.
A Lei n° 7.347/1985, que regula a ação civil pública, disciplinou o pedido de suspensão de execução da respectiva liminar por meio de seu art. 12,
- 1°, atribuindo legitimidade a pessoa jurídica de direito público, competência ao presidente do tribunal ao qual coubesse o conhecimento do recurso e reafirmando o escopo de evitar-se grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Novamente, não se fez referência ao Ministério Público porque, nacionalmente, ele só deixou de defender a fazenda pública com o advento da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988.
A Lei n° 8.038/1990, ao regular alguns processos perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, disciplinou no art. 25 o instituto de suspensão de segurança ou de sua liminar, observando os moldes acima delineados. Como foi editada após a Constituição de 1988, outorgou legitimidade às pessoas de direito público e ao procurador-geral da República.
O art. 4° da Lei n° 8.437/1992, mantendo os contornos do instituto, inclusive quanto à legitimação do Ministério Público, estendeu-o a quais- quer ações movidas contra o poder público, inclusive cautelares inominadas e ações populares.
A tutela antecipada, modalidade da atualmente denominada tu- tela provisória, somente foi introduzida pela Lei n° 8.952/1994 no Código de Processo Civil de 1973, hoje revogado. Naquele momento, a suspensão de decisões contra o poder público foi estendida às tutelas antecipadas pelo art. 1° da Lei nº 9.494/1997, por força de referência ao art. 4° da Lei n° 8.437/1992.
O instituto foi igualmente previsto em relação ao habeas data pelo art. 16 da Lei n° 9.507/1997, destacando-se o fato de que se reproduziu quase inteiramente a redação do art. 13 da Lei n° 1.533/1951, conforme determinada pelo art. 3° da Lei n° 6.014/1973. É importante lembrar-se que, por força do art. 24, parágrafo único, da Lei n° 8.038/1990, as normas sobre mandado de segurança são subsidiariamente aplicáveis ao habeas data.
Por meio do art. 15 da Lei n° 12.016/2009, a vigente lei que disciplina o mandado de segurança, o instituto de suspensão de segurança e da respectiva liminar foi detalhadamente regulado, todavia sem inovações.
Por força do art. 1.059, finalmente inseriu-se no Código de Processo Civil o instituto de suspensão de decisões contra a poder público, permitindo-o nas hipóteses de qualquer forma de tutela provisória, também em virtude de menção expressa ao art. 4° da Lei n° 8.437/1992.
A Lei n° 13.300/2016, que regula o mandado de injunção, não dispôs expressamente sobre o instituto, mas seu art. 14 permite a aplicação subsidiária das normas sobre mandado de segurança.
3. Legitimação
Literalmente e considerada a legislação que ora disciplina o instituto, a legitimação para suspensão de decisão contra o poder público seria de pessoas jurídicas de direito público e dos Ministérios Públicos. Todo Ministério Público é instituição constitucional de uma pessoa jurídica de direito público, a União ou um dos vinte e seis Estados. O Distrito Federal dele não dispõe porquanto o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é organizado e mantido pela União, nos termos do art. 21, XIII, da Constituição Federal.
A tradicional distinção que fazem o art. 15 da Lei nº 12.016/2009 e o art. 4º da Lei nº 8.437/1992 deriva do fato de essa instituição constitucional sempre ter disposto de ampla legitimação processual e, a partir da vigente Constituição, de significativa autonomia administrativa, financeira e orçamentária. Pode-se dizer que, a partir de 5 de outubro de 1988, o Ministério Público só é considerado inserto na respectiva pessoa jurídica de direito público para os fins do Direito Financeiro, ou seja, em palavras mais simples, para questões mera- mente orçamentárias.
Quanto à determinação do órgão de cada Ministério Público que pode requerer a suspensão, o tema não oferece grande dificuldade: se a medida só pode ser deferida pelo presidente do tribunal ao qual caiba conhecer o recurso, evidentemente somente o procurador, geral ou não, com atribuição para atuar perante a respectiva presidência poderá formulá-lo. Assim, no Supremo Tribunal Federal, a atribuição é do procurador-geral da República e nos vinte e sete Tribunais de Justiça dos procuradores-gerais de Justiça. Em Tribunal Regional Federal, por exemplo, a atribuição será de procurador regional da República que oficie perante a respectiva presidência.
Todas as pessoas jurídicas de direito público são legitimadas para requerer suspensão: a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as autarquias e as fundações de direito público. Os quatro primeiros, usualmente denominados pessoas políticas, porque dotados de autonomia constitucional e integrantes da federação brasileira na forma do art. 18, caput, da Lei Maior, são representados por suas Procuradorias-Gerais.
As autarquias e as fundações de direito público são entidades da ad- ministração pública indireta, necessariamente criadas por lei de iniciativa do correspondente Poder Executivo. Frequentemente, elas dispõem de representação judicial própria. Algumas vezes, contudo, essa atividade é desempenhada por Procuradoria-Geral da pessoa política que por lei a tenha instituído.
Como o membro de cada Procuradoria-Geral tem atribuição para a representação judicial da respectiva pessoa jurídica de direito público, não há necessidade de autorização expressa nem subscrição da peça por chefe do Poder Executivo nem presidente da entidade da administração pública indireta.
Usualmente, confunde-se cada um dos entes da Federação, isto é, cada pessoa política, com seus Poderes Executivos. Evidentemente, quando um ente da Federação litiga contra uma pessoa natural, pessoa formal ou outra pessoa jurídica, é presentado pelo respectivo Poder Executivo. A questão se complica, todavia, quando há conflito entre os Poderes.
Se para a existência de um Estado de Direito democrático não fosse essencial o respeito à separação de poderes, o tema da legitimação para requerer a suspensão de decisão contra o poder público não seria complexo. Torna-se, entretanto, pela necessidade de garantir-se aos Poderes a representação judicial
em defesa de suas prerrogativas constitucionais e intensifica-se porque, no Brasil, há Instituições Constitucionais – os Tribunais de Contas e as Defensorias Públicas, além dos já mencionados Ministérios Públicos – também titulares de relevantes prerrogativas constitucionais que frequentemente devem ser protegidas em juízo. Assim como os Ministérios Públicos, esses Poderes e Instituições Constitucionais dispõe, garantidas pela Lei Maior, de ampla autonomia administrativa, financeira e orçamentária. Após a vigente Constituição, materializou-se a necessidade de eles demandarem em juízo sempre que considerassem uma de suas atribuições constitucionais ameaçadas ou prejudicadas. Institucionalizaram-se, então, procuradorias-gerais nos Poderes Legislativos e nos Tribunais de Contas, já sendo possível vislumbrar-se no Poder Judiciário, ao menos, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Com raras exceções, a lesão a atribuição constitucional de Poder é causada por outro Poder. Como todo choque entre Poderes é um conflito constitucional sempre haverá grave lesão à ordem pública. Por isso, é extremamente frequente que, ocorrendo conflito entre poderes, surja rapidamente um requerimento de suspensão, evidentemente formulado pelo Poder inicialmente derrotado.
Em síntese: a legitimação ativa para requerer a suspensão de decisão contra o poder público é, além das autarquias e fundações de direito público, de cada ente da Federação, presentado pelo respectivo Poder Executivo, de cada Poder e Instituição Constitucional em defesa de suas prerrogativas constitucionais e de cada Ministério Público.
4. Competência
Proferida uma decisão judicial contra o Poder Público, é possível que seja formulado um pedido de suspensão à presidência do tribunal competente para julgar o respectivo recurso. Em princípio, é concebível imaginar-se que decisões judiciais contra o poder público sejam decretadas na Justiça Estadual, Federal, Militar, Eleitoral ou do Trabalho, ideia que permite vislumbrar a competência das presidências dos noventa e um tribunais brasileiros.
Se um juiz de Direito lavrar uma decisão contra o poder público, a competência para examinar eventual pedido de suspensão será do presidente do respectivo Tribunal de Justiça; se for um juiz federal, do presidente do respectivo Tribunal Regional Federal; e, se for de um juiz do Trabalho, do presidente do respectivo Tribunal Regional do Trabalho.
As hipóteses de juiz-auditor, federal ou estadual, e juiz eleitoral proferirem decisões contra o poder público são mais raras, todavia possíveis: observa-se maior frequência de requerimentos de suspensão formulados pelos Ministérios Públicos contra liminares de habeas corpus, motivo por que mesmo os presidentes desses tribunais tornam-se competentes.
Não é raro que a decisão contra o poder público decretada por Juízo de 1° Grau seja impugnada de forma ordinária, isto é, mediante recursos usualmente atribuídos a todas as partes, dos quais o mais frequente é o agravo de instrumento. Qualquer que seja o recurso manejado, é essencial destacar-se que, nos termos do art. 1.008 do Código de Processo Civil, este situado no Capítulo das Disposições Gerais do Título referente aos Recursos do Livro sobre os Processos nos Tribunais e os Meios de Impugnação das Decisões Judiciais, o julgamento proferido por tribunal substitui a decisão impugnada no que tiver sido objeto do recurso.
Assim, em obediência ao art. 1.008 do Código de Processo Civil, julgado o recurso, a decisão de primeiro grau não mais subsistirá, sendo, em qualquer hipótese, substituída pela do tribunal. Se o recurso for desprovido, será agora o tribunal, por sua câmara, turma, grupo de câmaras, turmas reunidas, seção ou, até mesmo, plenário, que terá lavrado decisão contra o poder público, cabendo contra esta decisão colegiada novo pedido de suspensão, conforme previsto no art. 15, § 2°, da Lei n° 12.016/2009 e no art. 4°, § 5°, da Lei n° 8.437/1992.
Quando a decisão contra o poder público tem origem em desprovi- mento de recurso, surge grave dúvida quanto à competência para suspendê-la: seria ela do presidente do próprio tribunal que julgou o recurso ou seria de tribunal superior, até mesmo do Supremo Tribunal Federal? A princípio, a contracautela deve ser requerida ao “presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso”, conforme redação praticamente uniforme das leis vigentes. Quem seria esse presidente?
Não é raro interpretar-se que o presidente do próprio tribunal que negou provimento ao recurso possa suspender a decisão contrária ao poder público. Com o devido respeito, o raciocínio contém falhas. Por força do pré-falado art. 1.008 do Código de Processo Civil, a decisão proferida por órgão do tribunal substituiu aquela de primeiro grau. Como essa decisão que negou provimento ao recurso agora é a única vigente, somente contra ela se poderá interpor recurso.
Ocorre que não há previsão constitucional nem legal de impugnação perante a presidência de decisão colegiada do próprio tribunal. Pior: no Brasil, há tribunais cujo número reduzido de membros impede suas divisões em câmaras ou turmas, isto é, mesmo os agravos de instrumento inevitavelmente são julgados pelo respectivo plenário. Se for admitida a tese de que presidente possa suspender decisão colegiada do próprio tribunal que tenha negado provimento a recurso do poder público, chegar-se-á a pitoresca situação de um presidente poder deferir medida de contracautela em face de decisão colegiada do próprio plenário que integre e a cuja jurisdição está submetido.
Se há uma decisão colegiada do plenário ou de órgão de tribunal que, ao desprover recurso, manteve a vigência de decisão contra o poder público, será cabível, na Justiça Comum, isto é, Justiça não especializada, a interposição de recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal, se a matéria for constitucional, ou recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça, se o tema for infraconstitucional. Por isso, inevitavelmente, será o presidente de um desses dois Tribunais único competente para deferir a suspensão de decisão originada de desprovimento de recurso interposto pelo poder público.
O deferimento de contracautela pelo presidente do próprio tribunal cujo órgão negou provimento ao recurso do poder público implica, sempre, usurpação de competência da Presidência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. Em tal hipótese, é cabível o ajuizamento de reclamação, com fundamento, respectivamente, no art. 102, caput, inciso I, alínea l, ou art. 105, caput, inciso I, alínea f, ambos da Constituição Federal. Atualmente, o rito da reclamação é disciplinado a partir do art. 988 do Código de Processo Civil.
Tudo o que até aqui se sustentou sobre desprovimento de recurso interposto pelo poder público é aplicável aos casos de competência originária dos próprios tribunais. Decretada medida judicial contra o poder público, em caráter originário, por Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal ou por um dos três tribunais estaduais de Justiça Militar, o recurso cabível será ao Supremo Tribunal Federal, se o tema for constitucional, ou ao Superior Tribunal de Justiça, se for infraconstitucional. Portanto, ainda mais uma vez, somente uma dessas duas Presidências será competente para apreciar o pedido de contracautela. Da mesma forma como já se sustentou, a apreciação do requerimento por presidente do próprio tribunal implicará usurpação de competência a ser também sanada mediante reclamação.
Como se vê, quando o requerimento de contracautela é oriundo da Justiça Comum – aquela não especializada -, a fixação de competência entre as Presidências do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça obedece ao exclusivo critério de a matéria ser constitucional ou infraconstitucional. A questão se complica, contudo, quando o pedido de suspensão de decisão contra o poder público surge de Tribunal Regional Eleitoral ou Tribunal Regional do Trabalho.
Nas Justiças Especializadas Eleitoral e Trabalhista, o recurso especial e o recurso de revista, respectivamente interpostos perante o Tribunal Superior Eleitoral e o Tribunal Superior do Trabalho devem abarcar as questões infraconstitucionais e, também, as constitucionais, sob pena de preclusão. Por isso, nessas Justiças Especializadas, o pedido de suspensão de decisão contra o poder público proferida por plenário ou órgão fracionário, originariamente ou em grau de recurso, de Tribunal Regional Eleitoral ou do Trabalho, será dirigido à Presidência do Tribunal Superior Eleitoral ou do Trabalho quer o tema seja infraconstitucional, quer seja constitucional.
Por exemplo, se um órgão fracionário de Tribunal Regional do Trabalho, julgando um recurso, decidisse contrariamente ao poder público matéria constitucional, ainda assim, a impugnação cabível seria o recurso de revista. Por essa razão, seria a Presidência do Tribunal Superior do Trabalho a competente para apreciar o respectivo pedido de contracautela.
Conforme já mencionado, é possível, com fundamento no art. 15, § 2°, da Lei n° 12.016/2009 e no art. 4°, § 5°, da Lei n° 8.437/1992, que se formule novo pedido de suspensão à presidência do Tribunal Superior competente, em matéria infraconstitucional, ou à Presidência do Supremo Tribunal Federal, em tema constitucional, se requerimento de suspensão já houver sido formulado e indeferido pela presidência do tribunal de segundo grau.
5. Efeitos
Após ser deferido, pela presidência de tribunal que seja competente para julgar o eventual recurso, o pedido de suspensão de decisão proferida contra o Poder Público, surgem consequências relevantes.
Inicialmente, é essencial destacar que o pedido não isenta seu autor de tempestivamente interpor o recurso cabível contra a medida impugnada, geralmente o agravo de instrumento. Se não o fizer, mesmo que a decisão contrária ao poder público tenha sido integralmente suspensa pelo presidente do tribunal, ocorrerá preclusão da decisão impugnada, causando a perda de objeto do requerimento de suspensão.
O tema gera justificável e reiterada confusão por força do art. 15, § 3°, da Lei n° 12.016/2009 e do art. 4°, § 6°, da Lei n° 8.437/1992, esta aplicável a qualquer caso de tutela provisória contra o poder público por força do art. 1.059 do Código de Processo Civil. Os dois dispositivos, ao contrário do que a interpretação apressada possa induzir, não dispensam a interposição tempestiva do adequado recurso. O que fazem, bem ao contrário, é estabelecer que a apreciação do pedido de suspensão pela presidência do tribunal competente não está condicionada à interposição prévia de recurso nem é prejudicada se esse recurso for improvido.
Assim, proferida decisão contra o Poder Público, surgem para os legitimados ao pedido de suspensão as seguintes opções: a) interpor o recurso comum e aguardar seu desfecho, requerendo a suspensão se ele for improvido;
- b) interpor o recurso comum e a suspensão simultaneamente, evidentemente em peças separadas, porque o exame daquele não prejudica esta; c) requerer a sus- pensão imediatamente e aguardar o último dia do prazo para interpor o recurso comum. Evidentemente, se o recurso comum for provido, o pedido de suspensão perde seu
O que ora se destaca é a absoluta necessidade de tempestivamente impugnar-se a decisão contrária ao Poder Público pelos meios usuais, sendo o mais comum o recurso de agravo de instrumento. Se o recurso não for interposto, a decisão contra o Poder Público precluirá e a eventual suspensão pela presidência do tribunal perderá seu objeto. Em outras palavras: o pedido de suspensão de decisão contra o Poder Público não é recurso, não o substitui nem impede a ocorrência de preclusão.
Questão também essencial decorrente do deferimento de pedido de suspensão de decisão contra o Poder Público é sua vigência. O § 9° do art. 4° da Lei n° 8.437/1992, o qual, conforme já se disse, é aplicável a qualquer caso de tutela provisória contra o Poder Público, determina que a suspensão vigerá até o “trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal”.
Interpretação literal levaria à conclusão que a suspensão de tutela pro- visória contra o Poder Público pela presidência, por exemplo, de Tribunal de Justiça persistiria até o julgamento de eventual recurso extraordinário sobre o tema. Esse raciocínio, com o devido respeito, implicaria submeter os Tribunais Superiores e o Supremo Tribunal Federal a jurisdição de tribunal de segundo grau.
Evidentemente, tribunal hierarquicamente superior àquele cuja presidência tenha suspendido decisão contra o Poder Público pode restaurá-la, desde que o faça expressamente. O escopo do § 9° do art. 4 da Lei n° 8.437/1992 é, silente a decisão presidencial e não renovada a decisão contra o Poder Público, a vigência da suspensão se estenderá até o encerramento do processo.
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